terça-feira, 14 de fevereiro de 2017
Roy Andersson e Yorgos Lanthimos: dois poetas do absurdo
por Ibertson Medeiros
O ser humano é um verdadeiro quebra-cabeças. E na história da humanidade muitos tentaram, tentam e tentarão desvendar a nossa natureza, filosofar sobre a nossa existência e sobre nosso propósito aqui na Terra. Literatura, Ciências e Música já fizeram profundos estudos sobre nós mesmos. E no cinema não é diferente. Muitos diretores tentam expor a sua visão acerca da humanidade em suas obras, às vezes com tons pessimistas, outras vezes com um tom mais positivo. Porém, alguns ousam ainda mais e fazem poesias em movimento para retratar nossa existência com um tom surrealista e, principalmente, absurdo. Dois destaques nesse sentido merecem ser mencionados: Roy Andersson e Yorgos Lanthimos.
O absurdo da humanidade por uma visão sueca e por outra grega. Dois cineastas fabulosos, cada um com sua característica inerente e que são responsáveis por imprimir suas autorias em suas obras. Roy Andersson (Mais experiente, com seus 73 anos de idade) dirigiu seu primeiro longa-metragem, Uma História de Amor Sueca (A Swedish Love Story), em 1970, e tal filme foi reconhecido no Festival de Berlim daquele ano, com 4 prêmios. Cinco anos mais tarde o diretor criaria o filme Giliap e a partir daí hibernou por 25 longos anos, dirigindo nesse período apenas curtas-metragens. Eis então que no ano 2000, véspera de um novo século, Roy Andersson aparece no Festival de Cannes com o filme que iniciaria a sua trilogia conhecida pela Trilogia do Ser Humano: Canções do Segundo Andar, trabalho que ganhou o Prêmio do Júri no Festival.
A característica de Andersson seria notada rapidamente através desse filme: a exemplo da trupe britânica Monty Python, no seu programa Flying Circus, o filme é composto por esquetes que têm ou não relação alguma e que servem para externar o pensamento crítico e ácido acerca da humanidade ao tratar de temas como a economia, desemprego, mercantilismo, religião e principalmente o caminho tortuoso que nós percorremos. Nesse sentido quer simbologia maior que o longo tráfego, um engarrafamento sem fim que não leva a lugar algum, como metáfora para os rumos que a sociedade está tomando?
As simbologias são essenciais na carreira de Andersson, assim como sua câmera estática, mas que transforma cada esquete em um verdadeiro quadro em movimento. Das cores vivas e ambientes mais abertos passamos para o confinamento e a crise existencial com paletas cinzas e mortas de Vocês, os Vivos (Du Levande), segundo filme da trilogia e que difere do anterior em um aspecto: as personagens estão mortas, só esqueceram de dizer a elas. Vivem sua rotinas frustradas, verdadeiros cadáveres em movimento sem sair de seus apartamentos, preocupando-se com assuntos banais e não levando a sério o simples termo: Carpe Diem, aproveita a vida. Planos frustrados, sonhos falidos, a quebra da quarta parede que isolava o espectador das personagens. Tudo isso culminando em aviões ao céu prontos para bombardear e acabar com aquela vida não vivida.
A cereja do bolo e repleta de desesperança é Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência, de 2014, que encerra a trilogia com chave de ouro. Uma trilogia que demorou 21 anos para ser completada, cada filme com um intervalo de 7 anos. Profético, ácido, desesperançoso, Andersson segue sua carreira e esperemos que não demore mais esse período para nos presentear com mais uma poesia visual.
Por outro lado conheçamos o modo grego de refletir sobre a vida, de uma forma mais pungente, brutal e caótica: conheçamos Yorgos Lanthimos. O diretor com 43 anos de idade chocou o mundo cinematográfico com o pesadelo em frames Dente Canino (Kynodontas), filme que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas que seria quase impossível agradar aos velhinhos puritanos da Academia. Aqui temos um tom diferente do Andersson, a câmera se move, adentramos o pior da mente humana em sua forma mais visceral e assistimos ao espetáculo que é a metáfora para a educação familiar errônea, que pode tornar crianças em adultos alienados e inseguros. O diretor chuta a porta e mexe muito com o psicológico do espectador. Cria esse filme difícil de ver, mas rico em detalhes e digno de estar numa mesa de debates.
Lanthimos usa do surrealismo mas com símbolos mais escancarados e fáceis de se absorver que os utilizados nos filmes do Andersson. O diretor força nossa cabeça com um pé de cabra, enquanto que o sueco faz com que suas metáforas sejam interpretadas como uma poesia. A ousadia e estranheza continuam com o filme seguinte do Lanthimos chamado Alpes, cujos personagens principais servem como um grupo de apoio a pessoas que perderam seus entes queridos. Tais pessoas servem como uma tentativa de substituir o(a) falecido (a). E por último, até o momento, o diretor criou a distopia The Lobster (A Lagosta), que critica ferozmente o matrimônio e as relações amorosas de hoje, em que num futuro próximo quem não arranjar um par corre o risco de ser transformado em um animal a sua escolha.
Há diversas formas de se refletir sobre nós mesmos e para quem quiser aventurar-se por questionamentos dolorosos, mas realistas não pode deixar de acompanhar a carreira desses dois diretores ousados e controversos, ou seja, poetas do absurdo. Por mais Anderssons e Lanthimos no cinema!
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Ibertson Medeiros é formado em Direito pela URCA, trabalha na Caixa Econômica Federal e possui um fascínio por cinema. Trata o cinema não como uma simples diversão escapista, mas como a verdadeira arte que é. Já possuiu dois blogs sobre cinema (o extinto Cinema para Todos e o paralisado Cinema Lato Sensu).
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 39, de janeiro de 2017 - Ed. Especial Mostra 21), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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