sábado, 7 de janeiro de 2017
Uma nova amiga, novas possibilidades
por Saulo Portela
Hoje, dia 12 de junho de 2016, acordo na intenção de escrever um texto sobre minhas percepções sobre o filme Uma Nova Amiga (François Ozon, 2014) sem ter ideia de como começá-lo... acesso o facebook e me deparo com a notícia dos 50 mortos e mais de 53 feridos na boate Pulse em Orlando, EUA. Penso com imenso pesar, no quanto a sexualidade não normativa incomoda a sociedade e como as pessoas reagem a ela. Julgo não ser necessário citar aqui, os inúmeros casos de homofobia, lesbofobia, transfobia e todas as violências físicas e psicológicas sofridas pelos públicos LGBT diariamente, visto que estas são de conhecimento universal.
Embora ainda não seja um profundo conhecedor da obra de Ozon, o que mais me chama atenção em todos os seus filmes é a maneira como ele aborda o desejo humano, e como este se desdobra numa infinidade de tons e nuances de modo que é impossível dizer que foi dado ao homem apenas o direito de escolher um item diante de uma palheta de cores tão vasta e diversificada.
Discorrer sobre Uma Nova Amiga é passear pelos temores, pela descoberta e pelos desejos mais íntimos do nosso protagonista, David (Romain Duris). Os dez minutos iniciais da trama nos apresentam a história da amizade entre Claire (Anaïs Demoustier) e Laura (Isild Le Besco), desde a infância até a vida adulta, passando pelos casamentos de ambas, gravidez, doença e morte de Laura. Devastada pela morte da amiga e mantendo-se fiel à promessa feita em leito de morte, de cuidar da filha e marido de Laura, Claire decide fazer a primeira visita a David e é surpreendida ao encontrá-lo trajando roupas femininas enquanto embala docemente a filha num afano de poder amenizar a dor da perda. A partir daí a trama passa a mostrar a jornada de um pai viúvo, hétero e crossdresser.
Inicialmente é difícil tentar encaixar David em alguma definição conhecida de gênero e sexualidade, mas é justamente sobre essa não adequação às normas pré-estabelecidas que me chama atenção. Perde-se muito tempo e neurônio tentando classificar, rotular, julgar e, por vezes, condenar o desejo do outro. Recentemente, a Comissão dos Direitos Humanos de Nova York decidiu oficializar o registro de reconhecimento de 31 gêneros, de modo que todos possam sentir-se devidamente representados, prevendo multas rígidas e na casa dos seis dígitos para quem se negar, por exemplo, a usar o pronome adequado quando alguém deixou claro o modo como gostaria de ser tratado, dentre outras penalidades. O documento oficial abre margem para que posteriormente outras adições de identidades possam fazer parte da lista.
Uma Nova Amiga não tem a intenção de fazer militância pelas causas LGBT, tampouco pouco mostrar o sofrimento do protagonista por não ser aceito ou rotulável, é muito mais um passeio pela autodescoberta, pelos problemas familiares e por amores impossíveis, tornando-se um estudo de caso elegante da sexualidade humana.
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Saulo Portela, 34 anos, professor de matemática, apaixonado por cinema e principalmente pelo gênero horror.
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 35, de setembro de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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