quinta-feira, 6 de agosto de 2015
Canção antiqüe
por Amador Ribeiro Neto
Greta Benitez (Curitiba, 1971) é poeta e publicitária. Autora de Rosas embutidas (1999) e Café Expresso Blackbird (2006). Publicou em revistas como Oroboro, Et Cetera, Zunái, Germina e Escritoras suicidas. Radicada em São Paulo há dez anos, fez da cidade uma das vertentes de seu novo livro, Canção antiqüe (S. Paulo: Patuá, 2013).
Se a capital paulista está presente, ela é apenas uma dentre várias outras geografias, que se estendem em tempos diversos, indo do passado ao futuro. Sem desprezar o presente real e o fantástico.
O título do livro é bastante elucidativo desta poesia. Chama-se canção porque os poemas, escritos num coloquialismo suave e sublime, recheados por rimas, soam como canções. Ou podem ser musicados a qualquer momento. E antiqüe, porque a volta ao passado é a tônica nas cenas, no vestuário, nos ambientes. Mas não se iluda o leitor: as posturas amorosas são pós-modernas. O retrô geralmente dissimula a ironia.
E eis aí dois procedimentos caros à poeta: o uso de um lirismo pungente e da crítica pelo viés do deboche. O leitor logo se dá conta de que não pode ser levado pelo romantismo que se apresenta em saudades, sonhos, carinhos e frufrus de linguagem. O eu-lírico é apaixonantemente cínico. Sabe seduzir com a leveza da música e o humor das imagens inesperadas.
Vejamos “Al Capone”, poema de uma série dedicada a celebridades: “O meu gato tem um motor / que é como o de um carro que me leva para a festa. / Ele ronrona dourado prometendo coisas boas. / O centro da cidade é uma estrada / olhos brilhantes de farol / iluminando a madrugada. / Meu gato é grande como o carro que me leva animada. / O mundo inteiro nervoso. / Eu calma: / sou a garota do mafioso. / O meu gato tem um motor / que é o mais perfeito filme de amor”. Aqui, gato e carro fundem-se em ambiguidade, o que entrelaça máquina e animal. Tudo convergindo para o alvo: o coração do eu-lírico. Que é feminino. Mas sabe atirar bem. Afinal, diante de um mundo nervoso, declara-se calma: é “a garota do mafioso”. Ironia que faz rir. Debocha do amor piegas. Abre fogo em imagens cinematográficas. Por fim, um poema bem realizado.
Quando o fantástico surge, vem com verve crítico-corrosiva. Ainda, insistimos, que camuflado de “doce amor”. Cito os versos finais de “Finíssima”, poema sobre uma mulher gigante que “arruma a fivela da sandália / sentada sobre o Edifício Itália” e cuja única lágrima “causaria inundação” da cidade: “Três moças dançam na rua / Encontram uma porta / Usam o banheiro para insólitos fins / Moças eternas / Sobre elas / Um belo coração de asas amarelas”.
Ricardo Corona diz no prefácio que “o leitor se regozija encontrando nesta poesia o que da vida sempre nos é escapável”. De fato, a visada da poeta revela-nos novas perspectivas sobre conhecidos cenários e sentimentos. Mas que normalmente nos passam despercebidos. Procedimento de quem tem olhar diferenciado e sabe lidar com as palavras. Afinal, poesia é questão de linguagem.
A paginação do volume é diferente da citada no índice. Um erro de revisão que pega mal. Já, Leonardo Mathias tem feito boas capas e ilustrações para livros da Patuá, como Ilhéu, de Edson Cruz, e o projeto conjunto para Pig Brother e até nenhum lugar, ambos de Ademir Assunção. Mas em Canção antiqüe ele erra a mão. Ao ler tangencialmente os poemas, cria capa e ilustrações óbvias. Que iludem o leitor ingênuo. E desagradam ao atento.
Canção antiqüe é um livro singular. Para ser desfrutado com muitos prazeres. Mansos e cruéis. Nunca ingênuos e apressados.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 31 de julho de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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