quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Revisitando Karimai

Luís Karimai e filho - Ateliê de pintura 

por Petrônio Sampaio de Alencar

Acredito que o mais próximo que cheguei de um laboratório de alquimista foi quando visitei o ateliê de Luís Karimai pela primeira vez, conduzido por um amigo em comum. Ele não tinha qualquer pretensão de alquimia, mas a atmosfera maravilhosa e estranha do local assim se revelou para mim, naquele momento. Talvez mais ainda pelo aspecto mágico e fascinante que suas pinturas apresentaram perante meus olhos ainda tão acanhados em termos de noção de arte. Contemplei formas e cores num grau de complexidade jamais visto por mim.

Claro que eu já conhecia algumas obras dele, especialmente a tela que retrata a subida do Horto (obra que deveria ser tombada como patrimônio artístico municipal), muitas delas espalhadas pela cidade, em coleções particulares. Porém, como acontece de forma quase geral, só se conhece realmente a obra de um artista vivo visitando seu ateliê e apreciando sua produção pessoal e livre das amarras e limitações da encomenda. E a obra de Karimai é uma autêntica expressão de liberdades e experimentações. Daí o caráter revelador para mim daquela visita.

Recuando no tempo, lembro-me vivamente de quando era escoteiro e, participando de uma campanha de vacinação numa clínica, passei quase um dia todo, nos breves momentos de folga, admirando uma pintura em tela com uma assinatura no seu rodapé: Karimai 82. Era uma cena simples, mas comovente. Retratava uma cena nordestina, mãe e filho no cenário sertanejo de pobreza e desolação, tão típico da nossa região. Eu, que já gostava de desenhar, fiquei cativado pela tela.

Não longe dessa data, sem saber eu conheceria o autor daquele quadro num trecho de comercial televisivo da antiga Coelce. O artista aparecia pintando em seu ateliê sob a luz de lâmpadas. E aquilo não era só uma cena ensaiada. Karimai era um trabalhador infatigável, compenetrado e laborioso. Anos depois, ele me diria, demonstrando a necessidade de trabalharmos com seriedade, que havia largado a boemia do início de carreira, as noites nos bares, por considerar um desperdício de tempo. Então, dedicou-se integralmente ao trabalho artístico, dia e noite.

Eram tantas as obras ocupando os espaços das paredes do ateliê, entre pinturas próprias e encomendas, todas tão ricas em detalhes e efeitos que o espectador atencioso levaria horas para consumir tudo aquilo com os olhos. Paisagens de vastidões abertas, só interrompidas pelas serras distantes; figuras femininas divididas entre o sensual, o erótico e o dramático; flores exóticas reais e irreais; personagens misteriosos; cenas rurais e urbanas; ambientes metafísicos e sobrenaturais; a gente do Cariri; os mais humildes tocando suas vidas simples; as tradições culturais populares; etc., etc. E todo esse universo abarcado em formas e cores exuberantes exercia um hipnotismo que nos dominava até muito tempo depois da visita.

Pintura de Luís Karimai - Horto

O desenho e a pintura de Luís Karimai constituíam uma força magnética e um campo gravitacional muito intenso sobre um sem números de artistas e jovens iniciantes que, como eu, o elegeram nosso referencial, nosso ídolo e mestre. Desse modo, formou-se uma legião de seguidores, de discípulos que o imitaram ou se deixaram influenciar pelo seu estilo. Influência inconfundível, pois inconfundíveis são suas criações, seu traço, seu repertório de temas e sua paleta única.

Luís Karimai era um pai amoroso, uma pessoa receptiva e um homem generoso. Mesmo necessitando de tempo e concentração para o trabalho, cuidava de sua prole com cuidado e carinho, bem como conciliava as brigas e disputas entre os filhos pequenos com calma e diálogo. E da mesma forma agia com visitas e estranhos que lá chegavam, sem demonstrar contrariedade ou aborrecimento pelo tempo roubado dos seus afazeres. Sei disso porque, como muitos outros, estive lá tantas vezes, e sempre fui recebido com sorriso e atenção. Pacientemente ensinou-me segredos do metiê artístico, a preparar telas de pintura, quando não ajudando-me a montá-las. Outras vezes cedeu-me materiais para trabalhar ou livros sobre arte para ler e estudar. E, tempos depois, indicou-me ou apresentou-me a colecionadores, para os quais vendi alguns desenhos e pinturas, começando profissionalmente minha carreira. Assim também procedeu com tantos outros iniciantes na arte.

O trabalho social que ele desempenhou com pessoas carentes foi uma decorrência natural da sua imensa bondade e consciência coletiva, bem como do seu caráter fraterno. A necessidade premente de pobres, indigentes e aflitos não poderia aguardar indefinidamente pelas promessas vagas dos governantes nem pelos frutos de uma luta social que, embora justa e necessária, tende a se arrastar por um longo tempo. A justiça social foi uma preocupação constante de Karimai, e ele sempre reagiu contra a discriminação, o preconceito, a violência, o machismo, o arbítrio, a ditadura e o fascismo. Sua obra plástica é um testemunho vivo disso. E por décadas, a fome de muitos foi atenuada por sua campanha de arrecadação de alimentos que percorria as ruas de Juazeiro do Norte.

O ensino de arte, as associações artísticas das quais participou, o cargo de secretário de cultura que exerceu nos anos 90, os projetos culturais que encabeçou ou colaborou, enfim, tudo o que ele fez ou se envolveu no setor artístico-cultural, toda a intensa e extensa contribuição de Karimai em distintos campos da sociedade juazeirense e caririense, nada impediu que injustiças fossem cometidas à figura publica e proeminente que ele se tornou. Sendo a mais séria e descabida de todas, na minha opinião, a ausência de suas obras na I Bienal de Arte do Cariri, realizada em Juazeiro do Norte, em 2002.

Numa demonstração de menosprezo pela produção pictórica local, a curadoria da bienal, estranha à terra, resolveu excluir os trabalhos dos pintores caririenses, desconsiderando o valor de um mestre local, como Karimai, cujas obras eram consagradas como símbolo do Cariri, uma das riquezas culturais da região e já alcançavam há tempos o reconhecimento para além dos limites do território nordestino, premiadas em diversas mostras, sendo vencedora de várias edições do concurso para a escolha da capa da Listel, a lista telefônica do Ceará. Ao mesmo tempo, ampliando o equívoco, a curadoria da I Bienal de Arte do Cariri abriu espaço expositivo para artistas vindos de fora, sem vínculo algum com o Cariri. A exclusão dos artistas, a revolta e celeuma gerada e a ausência de uma figura de proa do porte de Karimai causaram péssimas repercussões e prejuízo para o próprio evento, no final, apequenado e reduzido em importância e brilho. Um erro crasso cometido pela curadoria com a conivência das autoridades públicas. A bienal teve vida efêmera.

Petrônio Sampaio de Alencar - Ateliê de pintura

Em 1987 eu tinha vinte anos. Foi quando conheci Karimai. Ele morava numa pequena e agradável chácara, numa área quase rural, com a casa cercada de árvores, onde a criançada brincava à vontade. Pendurada numa parede do alpendre da casa havia uma pequena pintura retratando um homem de chapéu, um personagem estranho e misterioso que nos olhava fixamente. Ainda um pouco tímido, sentindo-me intrometido (e era!), criei coragem e perguntei a Karimai quem era tal pessoa. Sem rodeios ele afirmou se tratar de alguém que sempre aparecia por lá. Daí, tomei o sujeito como um visitante. Só tempos depois descobri que tal indivíduo era, na verdade, um ser espiritual. Desde então, olhar para as obras do meu amigo passou a ser um exercício de maior profundidade, pois a superfície da tinta poderia ser algo bem enganador.

Embora eu não seja vocacionado para o misticismo ou coisas do gênero, afirmo categoricamente, a partida precoce de Luís Karimai fez esta cidade perder sua mágica.
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Petrônio Sampaio de Alencar é artista plástico e professor de arte juazeirense. Iniciou sua carreira artística em 1987, dedicando-se ao desenho e à pintura. É também quadrinista, e mantém um curso regular de arte, o ateliê-escola Enclave Artístico, desde 2002.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Belchior realizou show no Navegarte (Espaço Cultural do Crato) em 2002

Guia Cultural O Berro - Edição 28, de 15 de agosto de 2002 

Em 17 de agosto de 2002, Belchior fez uma de suas últimas aparições nos palcos caririenses com um show no Navegarte (Crato), espaço cultural que sediou, no início dos anos 2000, diversos shows de artistas da MPB.

Dois berristas antes do show se aventuraram naquele dia: Ythallo Rodrigues em uma rápida entrevista no shopping de Juazeiro do Norte [tem fotos da entrevista no nosso Instagram @oberronet, confere lá!], enquanto, paralelamente, Hudson Jorge produzia o show que iria abrir a noite, com o músico goiano Chico Aafa, conhecido por sua participação no disco Cantoria 2, de Elomar, Xangai, Vital Farias e Geraldo Azevedo.

Ythallo relembra: “O tempo passa rápido e já estamos aqui, 18 anos depois daquela aventura. As lembranças da tensão de produzir o show de abertura, misturada a goles de vinho a mais, já meio que bagunçam a memória, mas lembro que foi uma noite memorável: ver pela última vez um show de Belchior (algo que, óbvio, não tinha noção que seria), num lugar onde pudemos produzir diversas atividades artísticas importantes na nossa trajetória. Para além de tudo, sinto saudades do Navegarte como um espaço das artes no Cariri”.

Na memória de Hudson: “Estive presente naquele show de um dos maiores nomes da música brasileira. Apesar de, naquele tempo, ainda conhecer muito pouco da obra do Belchior, a promessa é de que seria um grande espetáculo. Foi um show épico, talvez, mais pela simbologia da presença desse grande ícone. Cantou alguns clássicos e interagiu com o público. Aparentava estar bem feliz, mas, naquele show, a impressão que tive foi de um Belchior cansado do palco e, sabe-se lá o porquê.

O fato é que, nos anos seguintes, o desdobramento da vida desse grande artista, ao meu ver, comprovaria aquela impressão que tive naquele 2002, quando Belchior cantou umas poucas músicas e saiu do palco para beber e conversar com amigos, enquanto seu parceiro de show fazia o público vibrar com seu violão. Um espetáculo à parte”.

Na imagem: detalhe do Guia Cultural O Berro, edição 28, de 15 de agosto de 2002, anunciando o show de Belchior no Navegarte (Crato), que aconteceria dois dias depois.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Bate-papo com J. Flávio Vieira no Cariry Encantado em conversa.com



“Nesse próximo dia 06 de agosto, quinta-feira, a partir das 19h, o nosso Cariry Encantado invade o ciberespaço para tabular uma convers@.com o médico e escritor J. Flávio Vieira, ele que desde os anos 70, de forma magnífica, se faz presente na cena cultural do Cariri com suas letras de músicas, crônicas pitorescas, reflexões filosóficas, peças de teatro, historiografia da medicina, etc., interferências estas que evocam a grande importância da arte e da cultura na construção de nossa identidade como ser humano.

E ainda mais, teremos a luxuosa participação musical do genial Pachelly Jamacaru. Sintam-se convidados para entrar na sala  pelo link que segue, convidem seus amigos e compartilhem o máximo esta publicação. Desde já, agradecemos.” (sinopse da divulgação do evento)
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Cariry Encantado em conversa.com
Com J. Flávio Vieira
Mediação: Luiz Carlos Salatiel
Abertura musical: Pachelly Jamacaru
Arte-card: Edelson Diniz
Quinta-feira, 6 de agosto de 2020, 19h
Na Plataforma Google Meet
Endereço para acesso:
https://meet.google.com/kvk-eyjd-qti

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sábado, 1 de agosto de 2020

Exposição virtual (IN)POSSIBILIDADES apresenta amostra da obra de Luís Karimai



“... (IN)POSSIBILIDADES é uma exposição virtual que atende a situações distintas: é registro simbólico de uma década do desencarne do artista Luís Karimai e trazer o diálogo de sua produção; é a pedra angular de um projeto maior de exposição permanente, fonte de aprendizados e acessibilidade ao acervo; e, por último e não menos importante, é um fio de esperança a tecer coloridos matizes em nossos insólitos dias de restrições e isolamentos. A denominação (In)possibilidades extrapola o lugar dos neologismos para aportar em um convite à desautomatização do olhar, a enxergar nos contrastes, nos paradoxos, os diálogos e possibilidades, eis a separação do prefixo. É resolver conflitos para encontrar equilíbrio capaz de sugerir esperança, movimento e transposição. É olhar para fora, mas também ser capaz de olhar para dentro (IN) e reconhecer-se apto para transcender e amenizar tensões. O chamado é apreciar ‘os víveres para a alma, desde humanos ‘sonhos’ enquanto lembranças infantes ou internos pássaros, tudo são de a vida caminhar altaneira em sofridos dias de agora’.”

Trecho de texto de Maria Eneida Feitosa na apresentação da exposição.
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Exposição virtual (IN)POSSIBILIDADES
Obras do artista plástico Luís Karimai (in memoriam)
Curadoria: Profa. Dra. Maria Eneida Feitosa e Clara Karimai
Expografia: José Vanderlan Araujo Mendonça
Música: Di Freitas
Agradecimentos: Penha Karimai, José Vanderlan

Endereço da exposição:
https://exposicao.institutokarimai.com.br/

Perfil do Instituto Luís Karimai no Instagram:
https://www.instagram.com/institutoluiskarimai/

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