quarta-feira, 14 de junho de 2017
Meus 10 melhores filmes de todos os tempos, por Samuel Macêdo do Nascimento
A impermanência de uma lista
por Samuel Macêdo do Nascimento
É recorrente falar sobre a dificuldade de se fazer uma lista de melhores filmes, livros, discos, etc. Foi difícil reencontrar esses dez filmes que estão no passado, em uma espécie de encruzilhada de afetos, memórias, esquecimentos e inquietações. Não sabemos se a próxima sessão de cinema, uma dica, ou a TV aberta irá nos apresentar um novo filme que fure a ordem da fila. Assumo o risco e desejo que alguns desses dez filmes estejam nas listas das pessoas que estarão lendo essa edição da Revista Sétima, ou que eles despertem curiosidade. Paisagens, sons, ruídos, atrizes e atores preferidos, diretores, influenciaram a lista que não respeita uma ordem hierárquica de predileção.
Os Incompreendidos (Les quatre cents coups, Dir. François Truffaut, 1959)
Paixão à primeira vista. O filme nos apresenta a vida de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), um menino rebelde e rejeitado pelos pais, que é apaixonado por cinema e odeia a Escola. O rosto e as expressões de Antoine jamais saíram da minha cabeça. Esse filme influenciou filmes do mundo todo e é o primeiro longa-metragem de um dos maiores cineastas da França das últimas décadas. As semelhanças entre Antoine/Jean-Pierre e Truffaut ultrapassam as expectativas da realidade.
Noites de Cabíria (Le noitti di Cabíria, Dir. Federico Fellini, 1957)
O que é o cinema italiano? É injusto escolher um único filme do país de cineastas e filmes incríveis. Cabíria, protagonista da história, é vivida pela grandiosa atriz Giulietta Masina (esposa de Fellini). Cabíria é uma mistura da Macabéa de Clarice Lispector, com uma Holly Golight malsucedida de Breakfast at Tiffany’s (filme e livro). O filme mexe com nossas emoções porque nos apresenta uma personagem que não consegue realizar o sonho de construir um amor recíproco. O rosto de Cabíria, os diálogos e as paisagens por onde seu corpo passeia, nos marcam.
Sonata de Outono (Höstsonaten, Dir. Ingmar Bergman, 1978)
Assisti essa obra de arte no Cine Café há alguns anos, provavelmente em 2011. Em síntese: poucas personagens, conflitos familiares, diálogos fortes, questões irresolvíveis. O clássico é interpretado por duas lendas do cinema: Ingrid Bergman e Liv Ullmann. Charlotte e Eva, mãe e filha, pianistas, belas, porém opostas. O filme desmistifica alguns mitos familiares que parecem consolidados na nossa civilização ocidental.
Freaks (Freaks, Dir. Tod Browning, 1932)
“One of Us” (Um de nós), esta frase é retirada da música cantada em uma cena clássica do filme onde monstros, sentados à mesa, festejam. O filme tem vários protagonistas «monstros» que vivem em um circo e formam uma grande família. Anões, gêmeos siameses, pessoas com microcefalia, pessoas sem braços e/ou pernas, mulheres barbadas, interssexuais, etc. É impossível esquecer a sessão onde nós, do Grupo Sétima, assistimos Freaks com muita atenção. Esse clássico dos anos 30 nos traz questionamentos sobre diferenças e preconceitos, e foi homenageado em outros filmes.
A Lei do Desejo (La ley del deseo, Dir. Pedro Almodóvar, 1987)
Um dos filmes que mais vi na vida. Pablo Quintero (Eusebio Poncela), um famoso cineasta e escritor, tem uma relação intensa com seus amores e sua irmã transexual Tina Quintero (Carmen Maura). Segredos do passado, crimes, violência, crítica à suposta moral religiosa católica da Espanha, são alguns dos temas presentes na filmografia de Almodóvar e estão presentes nesse filme. No elenco ainda encontramos Antonio Banderas que tem uma paixão obsessiva por Pablo, e a pequena Manuela Velasco (la niña) que interpreta a filha da ex esposa de Tina Quintero. Carmen Maura interpreta uma mulher trans que é bissexual e sua ex esposa é interpretada por uma atriz que é uma mulher transexual.
Janela Indiscreta (Rear Window, Dir. Alfred Hitchcock, 1954)
Não sei ao certo se esse é o melhor filme de Hitchcock, mas ainda guardo a sensação quando o vi pela primeira vez no Cine Café. Uma obra prima. Inclusive, é um filme interessante para entendermos algumas questões técnicas do cinema. Os cenários, os travelings, a câmera que observa a câmera, etc.; brincam com nossa ansiedade nessa história de suspense. O filme é protagonizado por James Stewart e Grace Kelly, que vivem um casal de namorados. Após ter fraturado a perna, Jeff (Stewart), um curioso fotógrafo profissional, passa uns dias em casa e descobre segredos sobre sua vizinhança. Stella, interpretada por Thelma Ritter, é responsável por organizar a vida e a casa do seu patrão, a atriz é conhecida por fazer papeis semelhantes em outros filmes. Movido pela curiosidade, o protagonista desvenda um mistério de sua vizinhança e conta com a ajuda de Lisa (Grace Kelly) e Stella.
O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, Dir. Peter Jackson, 2001)
Se eu pudesse elegeria a trilogia. Vi A sociedade do anel quando era criança e fiquei contaminado. Embora eu pertença à clássica geração que leu e acompanhou as estreias da saga Harry Potter, jamais esquecerei o espanto que o mundo de J.R.R Tolkien me causou. Assisti ao filme pela primeira vez em VHS e me tornei fã. O senhor dos anéis combina com feriados prolongados e Ian McKellen, Elijah Wood, Orlando Bloom e outros atores, dão vida aos protagonistas da saga.
Um Caminho para Dois (Two for the road, Dir. Stanley Donen, 1967)
Existem vários filmes bons com a atriz Audrey Hepburn, mas Um caminho para dois é um xodó. O filme é britânico, mistura elementos de comédia, romance e drama. Joanna (A. Hepburn) e Mark (Albert Finney) se encontram quando solteiros enquanto viajam pela Europa. A aproximação entre os dois nos leva a crer que a desengonçada Joanna não conseguirá conquistar o esnobe Mark. Porém somos levados para fases distintas das vidas de ambos. Paquera, namoro, casamento, filhos, traição, separação, limbo. O cabelo de Hepburn vai mudando ao longo dos anos, enquanto o personagem de Finney vai conquistando sucesso e riqueza. Podemos ver o mesmo esquema dessa história em outras comédias românticas das últimas décadas, porém desconfio que muita gente se inspirou na história, ou no processo de montagem, de Um caminho para dois.
Vidas Secas (Vidas Secas, Dir. Nelson Pereira dos Santos, 1963)
Fiquei na dúvida qual filme brasileiro escolheria para estar nessa lista, talvez Macunaíma, O Pagador de Promessas ou Terra em Transe, Terra Estrangeira ou A Febre do Rato. Enfim, foi difícil escolher um único filme. Assisti Vidas Secas após uma noite de insônia. Eram quase seis horas da manhã e lembrei que tinha na bolsa um filme da videoteca da Faculdade de Comunicação da UFBA. Assisti, e um mar de sensações chegou depois que o filme acabou. Era algo de reconhecimento, de vergonha, de amor, etc. Nelson Pereira dos Santos conecta alguns dos temas retratados por muitos filmes brasileiros ao longo da nossa trajetória cinematográfica. O filme, que é baseado na obra homônima do escritor Graciliano Ramos, conta a história de uma família diaspórica que sofre com as injustiças sociais e os fenômenos da seca. As paisagens do sertão, os atores não “profissionais”, os olhos, o gestos, a indumentária, Baleia (a cachorra) e os demais elementos da mise-en-scène me fazem suspeitar que Vidas Secas, talvez, seja o filme mais potente dessa lista.
Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar (Gake no Ue no Ponyo, Dir. Hayao Miyazaki, 2008)
Também foi muito difícil escolher uma animação para estar nessa lista. Ponyo é um filme de animação japonês, do mesmo diretor de filmes conhecidos como A Viagem de Chihiro e Meu Amigo Totoro. O filme nos proporciona reflexões sobre os mitos sagrados de culturas distintas, e sobre o próprio cuidado com o planeta que é a nossa casa. Ponyo é filha da senhora das águas. O oceano é uma mulher. Uma mãe! Uma espécie de Iemanjá nipônica que se casa com um mortal e tem filhas que são uma mistura do mar e da terra. Uma das filhas deseja se tornar humana após se apaixonar por um menino e pelos humanos de uma maneira geral. O desejo de sair do mar vai gerar caos que será harmonizado no percurso da história.
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Samuel Macêdo do Nascimento é formado em Comunicação Social (Jornalismo), Mestre em Cultura e Sociedade e membro do Grupo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade.
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 37, de novembro de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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