terça-feira, 12 de abril de 2016

Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Primeiras Estórias’ – Poesia de não caber



por Harlon Homem de Lacerda

Na vez, estão “Os irmãos Dagobé” e o Liodoro. Liodoro matou um dos mais vis facínoras do sertão, que aterrorizava famílias e pessoas junto com seus irmãos mais novos. Coitado do Liodoro! Sozinho, sem ter pra fugir, pra rezar, pra nada. Já sabia a sentença. Seria objeto de vingança. E isso o narrador do conto vai martelando em nossa cabeça, vai construindo essa atmosfera de empatia entre nós, leitores, e o Liodoro, Lhe adoro. Coisa bonita de ver a construção da poesia, da narrativa através das palavras como o lugubrulho do cortejo, o barulho lúgubre? Não! O lugubrulho que nós só podemos entender vendo, pegando, arrudiando, cercando cada aspecto de imagem que se desenovela nesta estória. Quando Liodoro oferece-se para ajudar a carregar o caixão, o suspense na sala do velório, o suspense no cortejo, o suspense no enterro e o clima final de despedida... Despedida dos irmãos vivos, que cansados de viver sob o julgo de quem era realmente mal e vil, decidem ir simbora pra cidade grande. Coisa bonita de não caber em três páginas, pequeninas, condensadas que nem verso de soneto.

Este conto de Guimarães Rosa me vem tão bonito na vista principalmente por que eu tenho outros contos e cartas e estórias e imagens deste escritor na minha cabeça. E como tudo é belo, trabalhado, levado ao extremo do sério! Guimarães Rosa era um escritor empenhado em seu ofício. É táctil o amor com que ele escrevia cada coisa e como ele falava sobre suas coisas escritas, em cartas com os tradutores, por exemplo. Nesses livros de cartas entre Guimarães e seus tradutores a única parte ruim é quando as datas de correspondência vão se aproximando do novembro de 1967. Coisa triste, coração que parte, se espedaça! E realmente não cabe na literatura brasileira tanta poesia, tanto esmero, tanta beleza parida assim por Guimarães Rosa. Morreu do coração! No nosso coração fica pra sempre.

Agora eu falo até como ele. É hora de me recolher e rezar, procurar humildade. Que demônio era esse que carregava Guimarães! O-que-diga, o silêncio.

Eu faço isso por que já to antecipando a impossibilidade que eu terei que praticar pra tratar do próximo conto, A terceira margem do rio! Eita, lasqueira! Deixa eu ir rezar. 
____


Harlon Homem de Lacerda é Mestre em Letras pela UFPB e Professor de Literatura Brasileira da Universidade Estadual do Piauí (UESPI - Oeiras). E-mail: harlon.lacerda@gmail.com.

Outros textos da coluna “Perspectivas do alheio” no blog O Berro:
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Primeiras Estórias’ – Sobre coisas levianas e descuidosas
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Primeiras Estórias’ – Uma canção para a tolerância
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Primeiras Estórias’ – Cabismeditado
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Primeiras Estórias’ – Circuntristeza
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Grande Sertão: veredas’ – Duvida?
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Corpo de Baile’ – Tu leu Buriti?
- Perspectivas do Alheio – 01 ano
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Corpo de Baile’ – Jiní
- Dossiê João Guimarães Rosa – Cara-de-bronze: ‘Duas coisas’
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Corpo de Baile’ – Conta quem conta

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário