quinta-feira, 24 de setembro de 2015
Livro arbítrio
por Amador Ribeiro Neto
Lau Siqueira (Jaguarão-RS, 1957) é poeta e militante cultural. Reside em João Pessoa desde 1985. Orgulha-se de dizer que nasceu no dia 21 de março, Dia Internacional da Poesia. Atualmente é secretário de Cultura do Estado da Paraíba. Publicou O comício das veias (1993), O guardador de sorrisos (1998), Sem meias palavras (2002), Texto sentido (2007), Poesia sem pele (2011). Livro arbítrio (Porto Alegre: Editora Casa Verde, 2015) é seu mais recente livro.
Desde o título, Lau Siqueira sinaliza para duas linhas principais de sua poesia neste volume: o uso de trocadilhos e a liberdade de experimentar. E experimenta a linguagem partindo tanto de novas como de tradicionais formas poéticas. Por isso toma a vida sob um outro olhar. O de quem está dentro mas sabe viver fora. Daquele que habita aqui, mas respira mais além. Por isto anuncia no poema “Resistência”: “o que me sustenta / sobre a carne e o osso / é não ter aprendido / a desistir // viver é voar / até sumir: // viver é voar / até sumir”.
O poeta opera sempre com a leveza de quem não tem pressa. De quem se move na companhia de outros poetas, muitos deles canônicos, outros apenas históricos. Ao mesmo tempo que está inserido no tutano da produção de nossa poética contemporânea.
Ao fazer uso dos trocadilhos, um dos recursos que remontam à Antiguidade Clássica, Lau ratifica uma das colunas dorsais de toda sua poética até agora: lançar os dados das palavras, sons e ideias, numa ciranda de eterno retorno. E de eterna busca em espiral.
Ele recicla os trocadilhos com fina inventividade. Desinstala o leitor e revitaliza o poema através da desestruturação das percepções usuais. Eis uma das delícias de sua poesia: a iluminação, da qual vislumbramos um tisco. Mas nos possui em plenitude.
Ao visitar formas fixas, o poeta maravilha o leitor com a beleza do amor dentro da saudade. Tomemos seu soneto. Predominantemente decassílabo, o poeta desafina o ramerrão da escansão ao inserir versos octossilábicos e um alexandrino. Assola (no sentido de invadir e pôr a descoberto) a forma tradicional, tornando-a mais próxima do texto poético: a “escala geométrica” trinca-se em “portas incertas”, já que pontua o eu lírico: “não tenho sensações que possam / medir este jeito esquisito”.
É assim que o poema comenta, isomorficamente, o que diz. Ou seja: a forma e o fundo estão em interação recíproca e verticalizada. As quebras de expectativas (da vida) associam-se às quebras (das formas) do soneto. Na mesma esteira, acreditamos, o poema intitulado “Nervos devassos” reincorpora/remete/recicla o título (e o tema) da canção “Nervos de aço”, do amoroso imprescindível: Lupicínio Rodrigues. Cito-o na íntegra: “esse riso que atravessa o silêncio / vindo duma porta aberta um palmo / antes da mesma escala geométrica / de outras tantas portas incertas… // onde o risco é a orelha de van gogh / cuspida num hálito de aço sangrado // na santa ceia dos olhares mutilados / pela essência de uma bolha de ar // não tenho sensações que possam / medir esse jeito esquisito quando / qualquer acerto a solidão desova // no máximo desfaço-me dos eixos / numa trova sumária na veia deste / estranho que do espelho diz sim”.
Com sua escrita mansa, Lau desconstrói a sintaxe contaminada e contagiosa. Mapeia campos e espaços, domínios e fronteiras da palavra como compêndio de revolução, alumbramento, livre arbítrio – e Livro arbítrio.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 18 de setembro de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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