sexta-feira, 18 de maio de 2012

Madrugada de filmes

por Ythallo Rodrigues

De ontem para hoje, mais uma vez, tive um dos meus leves e pequenos surtos cinefílicos pela madrugada. Uma jornada de três longas-metragens, em uma sessão de quase cinco horas de duração. Pois bem, como forma de compartilhar algumas impressões escrevi, essas linhas que seguem.

É engraçado, existem alguns diretores que, de tanto ouvirmos falar ou lendo textos em revistas — ou através de algum amigo cinéfilo, ou em cursos, ou em fóruns de compartilhamento de filmes e etc. — acabamos por incluí-los como referências para o que fazemos ou pensamos como cinema. Inclusive, achamo-nos verdadeiros idiotas quando a essa altura do campeonato, depois de tantos filmes vistos e revistos, sequer vimos filmes considerados “clássicos” de alguns desses cineastas.

Nessa minha noite de cinema, vi dois filmes que me deixaram assim, pensando em porque cargas d'água eu ainda não havia visto tais filmes. O primeiro se trata de Eu, você, ela, ele (Je, tu, il, elle), da francesa Chantal Akerman, realizado em 1974. O segundo é O medo devora a alma (Angst essen seele auf), também de 1974, realizado pelo alemão Rainer Werner Fassbinder. Já o terceiro filme, Nós não envelheceremos juntos (Nous ne vieillirons pas ensemble), do também francês Maurice Pialat, realizado em 1972, para mim foi um grande achado, na imensidão de filmes que tenho.

Um filme em três movimentos, carregado de elementos pessoais, intensos e corajosos. Este é o filme de Chantal Akerman. A percepção dessas sensações se torna muito forte em mim, à medida que sua personagem (interpretada pela própria Chantal) narra o seu cotidiano, através da escritura de uma carta, que se desdobra num universo, o universo da solidão. Na medida em que a personagem, depois de muitos dias imersa em si, resolve se abrir para o mundo e dissipar seus sentimentos mais obscuros, no movimento do encontro.

E são dois os encontros. O primeiro, com um caminhoneiro (o segundo movimento do filme) que lhe dá uma breve e intensa carona, na qual algumas possíveis reprimendas sexuais são tranquilamente dissipadas. Até chegarmos, enfim, ao terceiro e último movimento do filme, no qual a personagem chega à casa de uma outra mulher, que inicialmente parece refutá-la, no entanto os corpos se chamam, como duas chamas próximas, que estão prestes a se tocar, transformando-se num único e imenso arder de paixão. Dois corpos nus, os corpos de duas amantes, num tenso plano sequência, que se alia a certa aspereza no ato daquele amor, e que nos planos seguintes alcançará alguma leveza.

Um filme de pausas para pensar e de movimentos em fluxo descontínuo e, principalmente, de encontros. Dela com ela mesma, Dela com ele e Dela com ela. Um filme de amor.

O filme seguinte é O medo devora a alma, de R. W. Fassbinder. Sobre este filme muito já me foi dito, em aulas, em críticas que li, etc. Deste realizador tive a possibilidade de ver outros filmes, porém este estava na minha lista há alguns anos e infelizmente sempre acontecia algo e ia ficando para depois.

O medo devora a alma é uma livre adaptação de outro filme, aliás, um dos grandes filmes americanos da década de 1950, intitulado Tudo que o céu permite (All that heaven allows), de 1955, realizado pelo também alemão Douglas Sirk.

Dois personagens (uma velha faxineira e um imigrante marroquino) marginalizados pela sociedade alemã na década 1970 encontram-se em um bar suburbano e, após uma dança, apaixonam-se. Uma sinopse simples, no entanto a complexidade desta pérola da filmografia alemã vai muito além. A partir disso teremos novamente um filme em três movimentos. No primeiro o amor entre Ali e Emmi; no segundo o preconceito cerrado que se estabelece sobre o casal; e no terceiro a aparente aceitação social. O desfecho deste melodrama atualiza-se ao da década de 1950, e segue na direção de uma tragédia em suspenso. Os dramas humanos repensados nesse grande filme de Fassbinder.

Finalmente, já na antemanhã de hoje, nas proximidades dos primeiros raios de dia, comecei a ver Nós não envelheceremos juntos, de Maurice Pialat. Deste cineasta tinha apenas ouvido falar — inclusive nem foi deste filme que me falaram. Mas esta semana me surge na internet, ali na minha frente, dois de seus filmes. Resolvo baixá-los e, juntamente com os dois acima comentados, completar a minha sessão da madrugada.

Um filme cheio de densidade em que a grande força cinematográfica está no trabalho dos atores. Sem grandes devaneios de mise en scène, na busca pelo que se chama de uma marca autoral, o diretor se fortalece no trabalho denso dos atores nas criações de seus personagens. Um filme que poderia ser um filme de amor e é exatamente o inverso, um filme sobre um amor que acabou, que o tempo e a vida desgastou.


Constantes encontros entre duas almas que já esvaziaram tudo o que havia e podia ser dito. O que resta? Agressões e acusações mútuas. Mas ela dá o tiro de misericórdia nesta fracassada relação. Resta ao homem abandonado voltar à ex-mulher, que retorna numa espécie de prestação de contas dele com o passado. Um poço de amargura e desilusão num filme de atores poderosos nos seus personagens muito bem realizados.

Depois disso me restou pensar um pouco e cair no sono dos deuses do cinema.
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3 comentários:

  1. Uma nova madrugada de filmes se inicia até a próxima, galera!

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  2. Muito bom camarada, eu que só assisto algumas animações com os guris, onde eles, quase sempre, narram o que acontecerá nas próximas cenas, sento-me quase na obrigação de ver esses filmes.

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  3. Sentar-se na obrigação pode ser uma coisa bem perigosa...

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